class: center, middle, inverse, title-slide .title[ # EAE-0310: ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO ] .author[ ### Pedro Forquesato
http://www.pedroforquesato.com
Sala 217/FEA2 -
pforquesato@usp.br
] .institute[ ### Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
Universidade de São Paulo ] .date[ ### Aula 7: Assistência social
2023/1 ] --- class: inverse, middle, center # Assistência social --- class: middle ## Assistência social Como vimos, pela utilidade marginal decrescente da riqueza, mesmo sem motivos redistributivos diretos, transferir renda dos ricos para os pobres aumenta o bem-estar social O setor privado não consegue resolver esse problema inteiramente com contribuições privadas (doações), já que há um efeito de **free rider** — há espaço para intervenção governamental, pois *assistência social é um bem público* Essa assistência pode ser em dinheiro ou *em bens* — o mais óbvio é comida (p. ex. food stamps), mas também pode ser educação, saúde, e moradia --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-2.png" width="80%" /> Distribuição mundial de renda — 9% da população mundial vive abaixo da linha de extrema pobreza da ONU de 1.9 USS PPP por dia, e 62% abaixo de 10 USS PPP por dia [(WID)](https://ourworldindata.org/extreme-poverty) --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-3.png" width="70%" /> Se antes da Revolução Industrial 3/4 da população mundial vivia em extrema pobreza, em 1950 ainda eram mais da metade. Desde lá, o progresso foi notável, reduzindo em 80% a taxa de pobreza extrema em meio século, para 9% hoje [(WID)](https://ourworldindata.org/extreme-poverty) --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-1.png" width="75%" /> Mas esse progresso imenso nas últimas 3 décadas foi concentrado na Ásia, especialmente na China — em termos absolutos, a pobreza extrema na África não tem melhorado, e tende a piorar com o aumento populacional [(WID)](https://ourworldindata.org/extreme-poverty) --- class: middle <iframe src="https://ourworldindata.org/grapher/share-of-population-in-extreme-poverty?country=BGD~BOL~MDG~IND~CHN~ETH~COD" loading="lazy" style="width: 100%; height: 600px; border: 0px none;"></iframe> --- class: middle <iframe src="https://ourworldindata.org/grapher/share-healthy-diet-unaffordable?country=KEN~BGD~IND~NGA~BRA~ZAF~RWA~USA~GBR~FRA" loading="lazy" style="width: 100%; height: 600px; border: 0px none;"></iframe> --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-5.png" width="80%" /> Em 2013, 51% dos extremamente pobres no mundo estão na África Subsaariana, 29% na Índia, e 1,3% no Brasil [(WID)](https://ourworldindata.org/extreme-poverty) --- class: middle <iframe width="600" height="371" seamless frameborder="0" scrolling="no" src="https://docs.google.com/spreadsheets/d/e/2PACX-1vT-vGIhk_RhMoUJerytiO8YSINlGzDfT47vhY7bltL-MjiggyhgHV7mX6i3w5BBbYIHQgOMaDpxMh_v/pubchart?oid=473456845&format=interactive"></iframe> Entre 1977 e 1990, a proporção de indigentes e pobres se manteve constante em por volta de 20% e 40% da população, respectivamente. Mas vemos uma tendência de queda a partir da redemocratização, chegando em 14% e 33% em 1998 [BHM00] --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-6.png" width="90%" /> A grande redução da pobreza se deu a partir de 2003, com redução pela metade da pobreza no país em 15 anos, de 49% para 25% em 2018, e assim como da extrema pobreza (linha nacional) de 28% pra 13% e na linha internacional de 14% para 7% [IPE20] --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-9.png" width="50%" /><img src="figs/eae0310-7-9b.png" width="50%" /> Variação de renda por percentil de renda entre: (a) 2012-2015; (b) 2015-2018 [BSS20] --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-4.png" width="80%" /> No Brasil, a incidência de pobreza extrema (USD 3,20 per capita PPP) é mais que o dobro entre pretos e pardos que brancos, o triplo no Norte e Nordeste que em outras regiões, assim como no meio rural vs urbano, e aflige especialmente crianças (Cadernos ODS/IPEA) --- class: middle ## Risco moral da assistência social Transferência de dinheiro dos ricos para os pobres não é de graça, pois gera um **efeito comportamental** — a taxação desistimula o trabalho dos ricos Se a transferência for *means-tested* (todas no Brasil são), então também gera um **imposto implícito** sobre os mais pobres `$$\tau_{\text{implicito}} = \frac{\Delta \text{renda de mercado} - \Delta \text{renda disponivel} }{\Delta \text{renda de mercado}}$$` O nível ótimo de transferência então vai depender de comparar esse efeito de risco moral com o benefício gerado por transferir renda de agentes com utilidade marginal da riqueza baixa para aqueles com UMg alta --- class: middle ## Risco moral da assistência social Okun usou a analogia de levar dinheiro de uma pessoa para a outra com um balde com buracos (*leaky bucket*) — isso gera um **trade-off eficiência e equidade** As perguntas que ficam são: 1. qual o tamanho dos furos? (*economia positiva*); e 2. quanta água estamos dispostos a perder para levar o balde de um lado para o outro? (*economia normativa*) --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-12.png" width="75%" /> Um programa que garanta a todos uma renda suficiente para escapar a pobreza, com *taxa de redução do benefício* de 1 involve um **imposto implícito** de 100% sobre quem ganha abaixo da linha da pobreza (família `\(X\)`), e também pode reduzir a oferta de trabalho de pessoas que ganhem mais do que o benefício (11,770 aqui), como a família `\(Y\)` [Gru16] --- class: middle ## Risco moral da assistência social Se calcularmos apenas o **custo contábil** do programa (número de famílias que ganham hoje menos que a linha de extrema pobreza vezes a distância para a linha), vamos subestimar o custo real da assistência Uma estimativa mais realista seria a quantidade de famílias que ganham menos que a faixa vezes o valor da faixa (89 reais per capita/mês): `\(X\)` na figura Ainda assim seria um limite inferior dos custos do programa, pois ignora **efeitos comportamentais** sobre famílias como a `\(Y\)` na figura e a **externalidade fiscal** de uma redução na oferta de trabalho --- class: middle ## Risco moral da assistência social Talvez à primeira vista pareça que o problema é exarcebado pela taxa de redução do benefício de 100% (*imposto implícito*) Mas não: uma taxa de redução menor não necessariamente reduz o *efeito comportamental* (e, portanto, o **peso morto**) Esse é **triângulo de ferro** do assistencialismo: não há como alterar o valor do benefício e a taxa de redução de forma ao mesmo tempo (i) encoraje mais trabalho; (ii) redistribua mais renda; e (iii) tenha menor custo --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-13.png" width="80%" /> Uma taxa de redução dos benefícios menor (aqui de 50%) diminui o *imposto implícito* sobre `\(X\)`, reduzindo menos a sua oferta de trabalho, assim como de `\(Y\)`, mas reduz a oferta de trabalho de famílias antes não afetadas pela política, como a família `\(Z\)` — se o peso morto gerado por essa formulação do programa é menor que a anterior é ambíguo [Gru16] --- class: middle ## Potenciais soluções O risco moral advém da *informação assimétrica*: o governo apenas observa a renda dos indivíduos, que depende do seu comportamento, não a sua capacidade de geração de renda (que ele gostaria de usar) Uma solução é **tagging**: direcionar a assistência baseando em características "não-comportamentais" dos indivíduos que estão relacionadas com sua capacidade de geração de renda Por exemplo, direcionar a idosos ou pessoas com deficiências (como o BPC, mas ele também é *means-tested*); crianças (como o PBF, mas idem, ou propostas como a do Naércio) ou mães solteiras (como nos EUA) --- class: middle ## Potenciais soluções Outra possibilidade é tentar fazer os indivíduos *revelarem o seu tipo* através de **"mecanismos de provação"**: características dos programas que fazem que eles não sejam atrativos Um exemplo é obrigar desempregados a procurar emprego ou fazer treinamento (**workfare**): isso pode ser custoso demais para quem não realmente precisa daquele dinheiro — outro exemplo são *transferências em bens*, como moradia popular ou cestas básicas Isso gera um paradoxo que pode ser desejável "piorar" o programa, pois evita que parte do orçamento vá a quem não necessita --- class: middle ## Potenciais soluções Uma possibilidade final é *deixar o trabalho mais atrativo* — aumentar a renda do trabalho dos indivíduos faz com que eles estejam menos dispostos a deixar de trabalhar pela assistência O governo pode fazer isso diretamente, transferindo renda para quem trabalha (EITC, nos EUA, ou abono salarial aqui), como um **imposto de renda marginal negativo** Mas subsídios a *bens complementares ao trabalho* (creche, transporte público, etc) também têm o mesmo efeito --- class: middle ## Assistência social no Brasil No Brasil, os principais programas de transferência de renda para alívio da pobreza são, o Programa Bolsa Família (PBF) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) O PBF envolve, após alteração em 2023: 1. Um benefício básico de 142 reais per capita, para famílias que recebem até R$ 218 por pessoa por mês (se o benefício não chegar a 600 reais, é complementado até esse valor); 2. Um acréscimo de 150 reais por criança até 6 anos e 50 por criança de 7-18 anos e gestante; 3. Se a família sair da zona de pobreza (mas até meio salário mínimo por pessoa), recebe 50% do PBF por até 2 anos --- class: middle ## Assistência social no Brasil O PBF é um programa de **transferência condicionada**, pois requer comportamentos específicos dos beneficiários, no caso frequência escolar, vacinação, pré-natal e acompanhamento médico O BPC é a garantia de um salário mínimo por mês ao idoso com idade `\(\geq\)` 65 anos ou à pessoa com deficiência de qualquer idade, desde que a renda per capita domiciliar seja menor que 1/4 do SM (R$275) Ao contrário do PBF, o BPC é uma transferência não-condicionada — mas ambos os programas são **means-tested**: só recebe quem tiver uma renda abaixo de um limiar, gerando uma **taxação implícita** sobre o trabalho --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-7.png" width="80%" /> Até 2001, os programas sociais tinham efeito pequeno na redução da pobreza. Desde então, cresceram para reduzir até 3 pontos percentuais na taxa de pobreza extrema — mas ainda assim, não parecem ser o principal motivo para a redução da pobreza observada na década passada [IPE20] --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-8.png" width="70%" /> Uma dificuldade prática de programas de assistência social é universalizar a **cobertura** do programa: mesmo com o PBF, 4,2% da população ainda tem renda abaixo da linha de pobreza extrema (deveriam ser cobertos pelo BSP!) e 8,2% abaixo da linha do PBF [BSS20] --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-10.png" width="90%" /> De fato, no Brasil nenhum programa social é universal na sua população alvo — a política que chega mais próxima da universalização é a aposentadoria (BPC e INSS) (Cadernos ODS/IPEA) --- class: middle ## Programa Bolsa Família Predecessores do PBF foram primeiro implementados em 1995, no DF e Campinas, e em 2001 no plano nacional, como 4 programas separados — em 2016, as despesas com o PBF representaram 0,44% do PIB (30x menos que a previdência e por volta do gasto com a ZFM) Existe uma enorme literatura examinando os efeitos (em geral benéficos) colaterais do programa [RSH17] — por exemplo, [GNS21] encontram que o PBF *aumentou* o emprego local, por multiplicadores fiscais Na Colômbia, Attanasio et al encontraram [efeitos significativos](https://voxdev.org/topic/public-economics/long-term-effects-conditional-cash-transfer-programmes-evidence-colombia) em várias medidas importantes, como prisões, gravidez precoce, e drop-out --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-11.png" width="50%" /><img src="figs/eae0310-7-11b.png" width="50%" /> Nas últimas duas décadas, o PBF cresceu rapidamente tanto em número de beneficiados (milhões de famílias), no painel (a), quanto no valor médio pago (R$/2018) no painel (b) [Sou+19] --- class: middle ## Programa Bolsa Família A evidência aponta na direção que o PBF aumentou a matrícula, retenção e progressão de série das crianças nas escolas O programa também está associado a maior uso do serviço de saúde e vacinação, e menor mortalidade infantil [Ras+13] [CDS16] acham redução de 6,5% no crime próximo a escolas com a expansão do PBF para 16-17 anos A mesma expansão aumentou em 1p.p. a matrícula de adolescentes em escolas [CFM16] --- class: inverse, middle, center # Banerjee, Niehaus & Suri (2019). "Universal Basic Income in the Developing World" --- class: middle ## Restrições sobre os pobres A RBU como assistência social parte do princípio que os pobres agem sob várias restrições econômicas que geram ineficiências Uma restrição importantíssima dos pobres é *restrições ao crédito* — isso limita o investimento e gera **armadilhas de pobreza**: a necessidade de dinheiro imediato evita investimentos que aumentem a produtividade, como educação, mesmo que tenham *valor presente líquido positivo* Pobres também têm **restrições de seguro**: isso faz com que sejam especialmente avessos ao risco e invistam menos que o ótimo --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-15.png" width="50%" /><img src="figs/eae0310-7-15b.png" width="50%" /> [Bal+22] examinam um programa de transferência de riqueza para os "ultra-pobres" em Bangladesh. O grupo de controle (B) está em uma **armadilha de pobreza** — mas transferências *acima de um valor* em (A) rompem essa armadilha, e geram riqueza em 2011 igual ou maior que em 2007 --- class: middle ## Restrições sobre os pobres A pobreza também é extremamente *custosa psicologicamente* e torna tomar boas decisões mais difícil [Pesquisas](https://www.youtube.com/watch?v=hd-WWdl8A5s&t=1s) mostram que no semi-árido nordestino as pessoas têm piores capacidades cognitivas quando estão com medo da seca Pobres também são mais pessimistas sobre as suas capacidades e sobre as possibilidades de melhorar de vida (**armadilha do pessimismo**) — há evidência que políticas com mentoria têm maior efeito Transferências no Kenya reduziram cortisol (relacionado ao stress); na Indonésia, transferências reduziram em 18% taxa de suicídio --- class: middle ## Renda básica universal Uma proposta de política assistencial que tem ganho o debate público recentemente é a **renda básica universal** A RBU se diferencia de programas *means-tested* pois *não* é **focalizada**: é transferida para todos os indivíduos da economia — vem daí o nome "universal" — na prática, ela provavelmente teria ainda algum tipo de focalização, mas muito menos que programas como o PBF Quais são os prós e os contras de RBU versus transferências focalizadas? --- class: middle ## Renda básica universal Os *contras* são claros: remover a focalização aumenta o custo do programa (ou diminui o valor transferido) e o torna menos progressivo — como estamos transferindo dinheiro para quem tem *utilidade marginal* menor, gera menor ganho de bem-estar social Mas com **mercados imperfeitos**, nem isso é tão óbvio: talvez queiramos redistribuir para quem possamos aliviar mais essas imperfeições (por exemplo, como mencionado, restrição ao crédito e empreendedorismo) Os *prós* da RBU envolvem evitar dificuldades advindas da **focalização** de políticas sociais --- class: middle ## Problemas com a focalização Há 4 problemas centrais com a focalização: primeiro, como já vimos, gera um *desincentivo* por gerar um *imposto implícito* sobre a geração de renda A RBU resolve isso, pois (pelo menos na sua forma pura) é uma **transferência lump-sum** — por ser universal, a família continua recebendo mesmo se aumente a renda Por ser uma transferência lump-sum, a RBU **não gera peso morto** — ela não altera os preços relativos do trabalho *vs* o lazer (pois todo mundo recebe RBU independentemente da renda do trabalho), e por isso não gera *efeito substituição* --- class: middle ## Problemas com a focalização Note que isso **não** quer dizer que a RBU não vai alterar o comportamento dos agentes: qualquer transferência de renda vai gerar *efeito renda*: supondo que o lazer é um bem normal, a RBU *diminui* a oferta de trabalho Pesquisas com ganhadores de loterias estimam a elasticidade-renda da oferta de trabalho em `\(-0.1\)`: mas essa diminuição não gera ineficiência, pois **somente efeito substituição gera peso morto** O 2o problema com a focalização são *custos administrativos* muito mais altos da transferência focalizada — embora no PBF seja relativamente baixo, ~5%, ainda assim é relevante --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-16.png" width="50%" /><img src="figs/eae0310-7-16b.png" width="50%" /> Embora a RBU gere **efeito renda negativo**, uma análise do Alaska Permanent Fund não encontrou efeito agregado na oferta de trabalho, apenas um aumento de 17% (1.8p.p.) em trabalho em tempo parcial — a diminuição na oferta de trabalho pode ser contrabalanceada por um aumento na demanda por maior dinamismo econômico [JM22] --- class: middle ## Problemas com a focalização O terceiro problema é *a própria focalização*: não é claro que programas focalizados realmente alcancem quem nós queremos alcançar Há grande evidência de que **distribuição intra-familiar** é importante: [Duf03] encontra que aposentadoria paga a avós tem impacto na nutrição de netas, mas não paga a avôs Além disso, transferências de renda são redistribuidas por redes de suporte e podem gerar redistribuição final muito diferente da do papel (p. ex.. [Duf03] acima, que provavelmente também vale para o Brasil) --- class: middle ## Erros de exclusão Qualquer método de focalização terá **erros de exclusão** (erro tipo I) e **erros de inclusão** (erro do tipo II) Estudos na Indonesia e Peru estimam que para incluir 80% dos pobres (erro de exclusão = 20%) tem que se gerar um erro de inclusão de 22-31% Na África erros de exclusão são por volta de 25%, e já vimos que no Brasil apenas 2/3 da população pobre recebe PBF Pobreza também é *dinâmica*: em um painel de 8 anos de domicílios na Índia, apenas 22% dos indivíduos são "sempre pobres" e 12% "nunca pobres", com os outros 65% entrando e saindo da pobreza ao longo do tempo --- class: middle ## Problemas com a focalização O último problema potencial da focalização é de **economia política** Os beneficiários de um programa formam a *base de apoio político* para ele Expandir a massa de beneficiários pode tornar o programa politicamente sustentável, especialmente quando o poder de ação política da massa mais pobre é baixo O orçamento não é fixo: na China, aumentar a abrangência de um programa de transferência em 1% aumenta o seu orçamento em 0.3% --- class: middle ## Economia política Ao contrário, transferir renda para alguns membros da comunidade e não outros (talvez apenas um pouco menos necessitados) pode gerar divisão social e descontentamento Focalização também gera potencial para **corrupção**, quando agentes locais influenciam quem entraria ou não no escopo do programa Quanto mais simples as regras do programa (em especial sem focalização), menor o espaço para corrupção --- class: middle ## Outras formas de focalização Uma alternativa para a focalização por renda é a **focalização por proxy** — o governo faz uma pesquisa com as propriedades das famílias (geladeira, TV, banheiro) e usa isso para fazer uma *proxy* da renda da pessoa O benefício é que é mais difícil para famílias mentir sobre as posses que sobre a renda (quase sempre no setor informal) Mas mesmo isso não é certo: experimento de resposta incentivada na Índia viu respondentes subreportar suas posses em 15% (sem alterações na avaliação de posses do questionante) --- class: middle ## Outras formas de focalização Focalização por proxy pode também gerar *erros de medida*, potencialmente mais sérios dado que são domicílios pobres e com pouca informação Estudos no México mostram que 10% dos domicílios são pobres de acordo com as respostas dadas pelo marido, mas não segundo as respostas da esposa, e 8% vice-versa (!) Em Ghana, quando esposos são perguntados separadamente sobre consumo, há vários itens consumidos pelo domicílio que uma das partes desconhece --- class: middle ## Outras formas de focalização Outras possibilidades são: (i) **focalização comunitária**, quando vamos a uma comunidade e perguntamos para os moradores locais quem é mais necessitado Ou (ii) **auto-seleção**, que já vimos no caso dos *mecanismos de provação* Em países em desenvolvimento, o maior exemplo desse último é o programa de garantia de emprego rural na Índia: apenas os mais necessitados vão se dispor a trabalhar o dia inteiro na agricultura --- class: middle ## Assistência em dinheiro ou bens Uma objeção comum a programas de transferência de renda monetária é que serão mal gastos em **bens de tentação**, como álcool e tabaco Na verdade, uma revisão da literatura encontrou que transferências *reduzem* o consumo desses bens em 0.18 s.d. na média entre estudos (plausivelmente pela redução de problemas psicológicos) No mundo real, cada domicílio precisa de coisas diferentes: alguns precisam pagar educação, outros comida, outros ainda querem investir no negócio familiar — dinheiro dá flexibilidade para cada família gastar onde a sua utilidade marginal *particular* é maior --- class: middle ## O quiz de Mankiw Considere uma economia desigual em que a média de renda seja US$ 50.000. Economistas propõem duas políticas alternativas para combater a pobreza: 1. Uma transferência de US$ 10.000 para todos (RBU), paga com uma taxação uniforme de 20% da renda 2. Uma transferência *means-tested* de US$ 10.000 apenas para quem não tem renda alguma, caindo em ¢20 por dólar para quem recebe mais. Essa política é paga com taxação de 20% da renda apenas de quem ganha mais que a renda média nacional [Mankiw pergunta em seu blog:](http://gregmankiw.blogspot.com/2016/07/a-quick-note-on-univeral-basic-income.html) qual vocês prefeririam? --- class: middle <img src="figs/eae0310-7-14.png" width="75%" /> Essa pergunta é uma pegadinha: as duas políticas são iguais! Uma RBU paga com taxação proporcional é **economicamente equivalente** a uma transferência *means-tested* (Saez) --- class:middle # Referências <small> [Bal+22] C. Balboni, O. Bandiera, R. Burgess, et al. "Why do people stay poor?" In: _The Quarterly Journal of Economics_ 137.2 (2022), pp. 785-844. [BHM00] R. P. d. Barros, R. Henriques, and R. Mendonça. "Desigualdade e pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável". In: _Revista brasileira de ciências sociais_ 15 (2000), pp. 123-142. [BSS20] R. J. Barbosa, P. H. F. de Souza, and S. Soares. _Distribuição de Renda nos Anos 2010: uma década perdida para desigualdade e pobreza_. Tech. rep. Texto para Discussão, 2020. [CDS16] L. Chioda, J. M. De Mello, and R. R. Soares. "Spillovers from conditional cash transfer programs: Bolsa Família and crime in urban Brazil". In: _Economics of Education Review_ 54 (2016), pp. 306-320. [CFM16] L. Chitolina, M. N. Foguel, and N. A. Menezes-Filho. "The impact of the expansion of the Bolsa Família Program on the time allocation of youths and their parents". In: _Revista Brasileira de Economia_ 70.2 (2016), pp. 183-202. </small> --- class:middle # Referências <small> [Duf03] E. Duflo. "Grandmothers and granddaughters: old-age pensions and intrahousehold allocation in South Africa". In: _The World Bank Economic Review_ 17.1 (2003), pp. 1-25. [GNS21] F. Gerard, J. Naritomi, and J. Silva. "Cash Transfers and Formal Labor Markets: Evidence from Brazil". (2021). [Gru16] J. Gruber. _Public finance and public policy_. 5th ed. Macmillan, 2016. [IPE20] IPEA. _Políticas sociais: acompanhamento e análise_. 2020. [JM22] D. Jones and I. Marinescu. "The Labor Market Impacts of Universal and Permanent Cash Transfers: Evidence from the Alaska Permanent Fund". In: _American Economic Journal: Economic Policy_ 14.2 (mai. 2022), pp. 315-40. DOI: [10.1257/pol.20190299](https://doi.org/10.1257%2Fpol.20190299). URL: [https://www.aeaweb.org/articles?id=10.1257/pol.20190299](https://www.aeaweb.org/articles?id=10.1257/pol.20190299). </small> --- class:middle # Referências <small> [Ras+13] D. Rasella, R. Aquino, C. A. Santos, et al. "Effect of a conditional cash transfer programme on childhood mortality: a nationwide analysis of Brazilian municipalities". In: _The lancet_ 382.9886 (2013), pp. 57-64. [RSH17] F. G. Ribeiro, C. Shikida, and R. O. Hillbrecht. "Bolsa Família: Um survey sobre os efeitos do programa de transferência de renda condicionada do Brasil". In: _Estudos Econômicos (São Paulo)_ 47 (2017), pp. 805-862. [Sou+19] P. H. de Souza, R. G. Osorio, L. H. Paiva, et al. _Os efeitos do Programa Bolsa Família sobre a pobreza e a desigualdade: um balanço dos primeiros quinze anos_. Tech. rep. Texto para discussão, 2019. </small>