class: center, middle, inverse, title-slide .title[ # EAE-0310: ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO ] .author[ ### Pedro Forquesato
http://www.pedroforquesato.com
Sala 217/FEA2 -
pforquesato@usp.br
] .institute[ ### Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
Universidade de São Paulo ] .date[ ### Aula 11: Impostos sobre a renda do trabalho
2022/1 ] --- class: inverse, middle, center # Impostos sobre a renda do trabalho --- class: middle ## Imposto sobre a renda Na taxação indireta (sobre bens), o governo em geral busca arrecadar receita para políticas públicas da forma menos distorciva possível (**princípio da focalização**) Na taxação direta (sobre renda), há um segundo motivador: *diminuir desigualdade socioeconômica* — por isso que quase todo país do mundo taxa renda de forma progressiva (o Brasil muito pouco) Como em sociedades modernas a **redistribuição de renda** é uma das principais tarefas dos governos, estudar a progressividade ótima do imposto de renda é um dos pontos centrais (e mais contenciosos) das finanças públicas --- class: middle ## Impostos sobre a renda Já vimos na primeira aula do curso que se a renda não depende do esforço (é "fixa"), e temos um objetivo social **utilitarista** com *utilidade marginal decrescente*, isso resulta no *princípio do sacríficio equimarginal* Esse princípio diz que devemos igualar a utilidade marginal de todos os indivíduos, o que, se todos têm funções de utilidade iguais, é o mesmo que igualar a renda (pós taxação e transferências) de todos Mas isso só seria possível com uma taxação de renda em `\(100\%\)`, o que é bastante extremo (*ma non troppo*: em 1945 a taxa marginal máxima nos EUA era `\(94\%\)` (!), e nos países escandinavos hoje `\(\sim 70\%\)`) --- class: middle ## Impostos sobre a renda Mas é claro que a renda *depende sim* do esforço, e sob um imposto de 100% ninguém iria trabalhar — o que gera o já conhecido **trade-off entre eficiência e equidade** O segundo ingrediente então para decidir o nível ótimo de taxação vai ser quantificar o tamanho desse *trade-off*: se a **renda tributável** for muito elástica à taxação, então mais equidade é muito custoso; se não for, é pouco O estudo da teoria da taxação é fundamental para a redução das desigualdades, e o papel do economista é central ao dizer aos políticos qual é o tamanho do *trade-off* entre eficiência e equidade --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-3.png" width="50%" style="display: block; margin: auto;" /> Com *efeitos comportamentais* da taxação, não há mais garantia que aumentar a alíquota de impostos aumente a receita: a partir de um nível de impostos, vai reduzí-la, gerando uma **piora unânime** — isso é exposto na **curva de Laffer**, que aponda uma taxa `\(\tau^*\)` que maximiza a receita, e qualquer alíquota maior implica receita menor [Gru16] --- class: middle ## Curva de Laffer Um aumento na tributação de renda do trabalho tem dois efeitos contrários: 1. *Efeito mecânico*: para um dado nível de oferta de trabalho, aumenta a arrecadação `\(\Delta \tau \cdot wl\)`, isto é, **proporcional a `\(\Delta \tau\)`**; 2. *Efeito comportamental*: reduz a arrecadação pela diminuição na oferta de trabalho em `\(\tau \cdot w\Delta l\)`, i.e., **proporcional a `\(\tau\)`** Como (1) depende da variação na taxa e (2) da tributação total, o primeiro efeito tende a dominar para `\(\tau\)` pequeno e o segundo efeito dominar para `\(\tau\)` alto: isso que está representado pela **curva de Laffer** --- class: middle ## Imposto de renda da pessoa física no Brasil Desde 2009, o IRPF no Brasil tem 5 alíquotas (até 2008 eram apenas 1, 3 e 5): 1. 0% (isento) até R$1.903 2. 7,5% até R$2.826 3. 15% até R$3.751 4. 22,5% até R$4.664; e 5. 27,5% além disso A variação nas alíquotas é baixa, fazendo o sistema pouco progressivo; por outro lado, a faixa de isenção é alta (comparativamente), e pouca gente paga IRPF no Brasil (mas pagam imposto sobre a folha e de consumo) --- class: middle ## Imposto de renda da pessoa física no Brasil O IRPF também tem várias isenções com despesas médicas e educação que reduzem a carga tributária no topo, diminuindo ainda mais a progressividade Já vimos que a tributação média vária quase nada nos quintis 1 a 4 de renda, e sobre apenas 4p.p. no último quintil (exatamente o impacto do IRPF) Também a base tributária brasileira tem vários "buracos", e os ricos fazem **elisão fiscal** disfarçando renda do trabalho como renda de capital ("pejotização") --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-9.png" width="70%" /> A taxação `\(T\)` de **renda tributável** `\(z\)` é (geralmente) crescente na renda (*progressiva*), mas de forma contínua por meio de alíquotas discretas (*piecewise-linear*): note que cada nova alíquota (taxa marginal) se aplica apenas à renda acima do limiar (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-10.png" width="70%" /> Já a *taxa marginal* `\(T^{\prime}(z)\)` aumenta de forma discontínua (é uma *step function*), gerando **kinks** no gráfico de taxação, onde indivíduos agindo racionalmente tendem a se concentrar (*bunch*) (Saez) --- class: middle <img src="figs/notch.jpg" width="65%" style="display: block; margin: auto;" /> Já um **notch** é um aumento descontínuo na taxa média de impostos, como essa dedução de custos de childcare no Reino Unido para famílias até £100 mil: a renda após-impostos de famílias com dois filhos que ganham £99k/ano é *maior* que daquelas que ganham £100-140k/ano se contar custos de childcare --- class: middle ## Medidas de distorção Quem tem renda tributável zero recebe transferências `\(T(0) < 0\)`, o que gera uma **taxa de participação** `\(\tau_p = \left( T(z)- T(0) \right)/z\)`: indivíduo fica com `\(1-\tau_p\)` quando começa a trabalhar (*margem extensiva*) A **taxa marginal de imposto** é `\(T^{\prime}(z)\)`: indivíduo fica com `\(1 - T^{\prime}(z)\)` para cada `$`1 extra que ganhe (*margem intensiva*) — geralmente focamos na taxa marginal *no topo*, que em um sisema tributário progressivo será a maior Um sistema de *taxes and transfers* (assistencialismo e taxação de renda) progressivos geram o **ponto de break-even** `\(z^*\)` tal que `\(T(z^*) = 0\)` --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-11.png" width="75%" /> Uma função de taxação gera uma **restrição orçamentária** com inclinação `\(1 - T^{\prime}(z)\)`: a relação entre renda tributável e consumo (potencial), nesse exemplo para uma alíquota única `\(T^{\prime}(z)\)` — o ponto onde a RO intercepta a linha sem taxação (45º) é de *break-even* (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-12.png" width="75%" /> A diferença entre o intercepto `\(-T(0)\)` e a renda trabalhando `\(z - T(z)\)` é a proporção da renda que fica com o indivíduo `\((1 - \tau_p)z\)`, onde `\(\tau_p\)` é a **taxa de participação** (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-20.png" width="70%" /> Restrições orçamentárias no mundo real: na França tanto a *taxa marginal* quanto a *taxa de participação* são bem maiores que nos EUA [Aue+13, ch. 7] --- class: middle ## Efeito da taxação na oferta de trabalho Um tributo sobre renda do trabalho tem dois efeitos: 1. Ele torna o lazer mais barato relativamente ao consumo (*efeito substituição*) 2. Ele torna o trabalhador mais *pobre*, e mais disposto a trabalhar se o lazer for bem normal (*efeito renda*) Essa é uma visão idealizada do mercado, na realidade há **rigidez no mercado de trabalho**: trabalhadores não podem escolher livremente quantas horas ofertar — mas isso vai estar de certa forma capturado nas *elasticidades* que compõem a taxação ótima --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-13.png" width="80%" /> Escolha entre oferta de trabalho `\(l\)` (que diminui a utilidade por reduzir o lazer) e consumo `\(c\)` (que depende do salário `\(w\)` ganho e outras rendas `\(R\)`) gera a **oferta marshalliana** de trabalho `\(l(w, R)\)` — aqui ainda sem impostos (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-14.png" width="80%" /> Um aumento de renda **descola verticalmente** a restrição orçamentária e sempre diminui oferta de trabalho, já que lazer é um bem normal (só há o *efeito renda* `\(\eta = w \frac{\partial l}{\partial R}\)`) (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-14b.png" width="85%" /> Um aumento de renda **descola verticalmente** a restrição orçamentária e sempre diminui oferta de trabalho, já que lazer é um bem normal (só há o *efeito renda* `\(\eta = w \frac{\partial l}{\partial R}\)`) (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-14c.png" width="85%" /> Um aumento de renda **descola verticalmente** a restrição orçamentária e sempre diminui oferta de trabalho, já que lazer é um bem normal (só há o *efeito renda* `\(\eta = w \frac{\partial l}{\partial R}\)`) (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-15.png" width="80%" /> A **oferta compensada** de trabalho se obtém pelo *problema dual*: minimizar o custo de se alcançar nível de utilidade `\(u\)` — no ótimo, a oferta compensada é igual à marshalliana (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-16.png" width="80%" /> A alteração da oferta de trabalho *compensada* pela mudança nos preços relativos do consumo e do lazer (i.e., o salário) mede o **efeito substituição** `\(\epsilon^C = \frac{w}{l^C(w, \bar{u})}\frac{\partial l^c(w, \bar{u})}{\partial w}\)` (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-16b.png" width="80%" /> A alteração da oferta de trabalho *compensada* pela mudança nos preços relativos do consumo e do lazer (i.e., o salário) mede o **efeito substituição** `\(\epsilon^C = \frac{w}{l^C(w, \bar{u})}\frac{\partial l^c(w, \bar{u})}{\partial w}\)` (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-17.png" width="80%" /> O **efeito total** (*elasticidade da oferta marshalliana*) de uma mudança no salário é a soma do *efeito substituição* e *efeito renda*: `\(\epsilon^U = \epsilon^C + \eta\)` — o primeiro aumenta e o segundo diminui a oferta de trabalho, e o efeito final `\(\epsilon^U\)` é ambíguo (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-17b.png" width="80%" /> O **efeito total** (*elasticidade da oferta marshalliana*) de uma mudança no salário é a soma do *efeito substituição* e *efeito renda*: `\(\epsilon^U = \epsilon^C + \eta\)` — o primeiro aumenta e o segundo diminui a oferta de trabalho, e o efeito final `\(\epsilon^U\)` é ambíguo (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-17c.png" width="80%" /> O **efeito total** (*elasticidade da oferta marshalliana*) de uma mudança no salário é a soma do *efeito substituição* e *efeito renda*: `\(\epsilon^U = \epsilon^C + \eta\)` — o primeiro aumenta e o segundo diminui a oferta de trabalho, e o efeito final `\(\epsilon^U\)` é ambíguo (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-17d.png" width="80%" /> O **efeito total** (*elasticidade da oferta marshalliana*) de uma mudança no salário é a soma do *efeito substituição* e *efeito renda*: `\(\epsilon^U = \epsilon^C + \eta\)` — o primeiro aumenta e o segundo diminui a oferta de trabalho, e o efeito final `\(\epsilon^U\)` é ambíguo (Saez) --- class: middle ## Efeito da taxação na oferta de trabalho Os efeitos da taxação são: 1. `\(T^{\prime}(z) > 0\)` reduz o salário líquido e **reduz** a oferta de trabalho pelo *efeito substituição* 2. `\(T(z) > 0\)` reduz a renda disponível e **aumenta** a oferta de trabalho pelo *efeito renda* 3. `\(T(z) < 0\)` aumenta a renda disponível e **reduz** a oferta de trabalho pelo *efeito renda* Impostos têm efeito ambíguo na oferta de trabalho, como vimos, mas assistência social (com `\(T^{\prime}(z) > 0\)` e `\(T(z) < 0\)`) **sempre diminui** ela --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-18.png" width="80%" /> O efeito da taxação na oferta de trabalho depende do **nível** `\(T(z)\)` e **inclinação** `\(T^{\prime}(z)\)` da restrição orçamentária (Saez) --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-18b.png" width="80%" /> O efeito da taxação na oferta de trabalho depende do **nível** `\(T(z)\)` e **inclinação** `\(T^{\prime}(z)\)` da restrição orçamentária (Saez) --- class: middle ## Elasticidade da oferta de trabalho Como vimos, a taxação ótima depende fundamentalmente do valor da **elasticidade da oferta de trabalho** (pergunta empírica!) Décadas de literatura investigam isso, em geral as conclusões para os EUA são [Kea11]: 1. A elasticidade para *primary earners* é muito pequena: `\(\sim 0.1\)`, isto é, uma redução de `\(10\%\)` no salário após-impostos diminui as horas ofertadas em `\(1\%\)` 2. A elasticidade para *secondary earners* é muito maior, `\(0.5-1.0\)`, principalmente vindo de redução na **participação na força de trabalho** --- class: middle ## Elasticidade da oferta de trabalho A elasticidade depende das alternativas para o trabalho formal: nos EUA são muito baixas para os *primary earners*, que precisam trabalhar para sustentar a família Em países em desenvolvimento, com possibilidade de atuação no mercado informal não tributado, ela deve ser maior A elasticidade para *secondary earners* é alta pois eles (geralmente elas) têm uma alternativa clara (e não taxada!) para o trabalho formal: cuidar das crianças — provavelmente com creche pública essa elasticidade seja menor --- class: middle ## Renda tributável O principal problema com medir o efeito da taxação pelas horas trabalhadas é que ignora várias outras dimensões pelas quais ela pode afetar a economia Trabalhadores podem responder a uma maior taxação se esforçando menos, se educando menos, tomando menos riscos, buscando menos promoções, etc Economistas abordaram esse problema estudando a **elasticidade da renda tributável**: a redução proporcional na renda pré-impostos dado um aumento proporcional na tributação --- class: middle ## Renda tributável Potencial problema: mudanças na renda tributável podem se dar por aumento da evasão fiscal, o que intuitivamente não deveria ser levado em conta Feldstein (1995, 1999) argumentou que evasão fiscal gera custos sociais (horas advocatícias, criar bancos em paraísos fiscais, contadores) que no equilíbrio devem se igualar com o benefício marginal da evasão Assim, se $1 de taxação reduz 1 hora de trabalho do indivíduo ou faz ele usar 1 hora mais de trabalho disperdiçado de contador para evadir impostos, o custo social é igual --- class: middle ## Renda tributável Esse raciocínio, somado a estimativas iniciais de que a elasticidade da renda tributável seria considerável (~1), foi influente por sugerir que os EUA estariam no "lado errado" da curva de Laffer Estimativas mais recentes e confiáveis colocam a elasticidade entre 0,1-0,5 (digamos, 0,3): maior que a da oferta de trabalho, mas não enorme [SSG12] Literatura também apontou que se o custo esperado da evasão for transferências a outros agentes (esp. multas ao governo), isso não entra no cálculo da taxação ótima --- class: middle ## Topo da curva de Laffer No nosso modelo simples, sem imposto o consumo é igual à renda tributável, `\(c = z\)`; já com taxação `\(c = z - T(z)\)` (i.e., o consumo é igual à renda tributável menos impostos líquidos) O nosso objetivo aqui é obter insumos sobre qual deve ser a alíquota desejável de imposto de renda — um ponto natural para iniciar é definir a taxação que maximiza a receita (o **topo da curva de Laffer**) Como `\(R(\tau^*) = \tau^* z\)`, a *taxa que maximiza a receita* resolve a CPO `\(R^{\prime}(\tau^*) = 0\)`, e portanto: `$$\frac{dR(\tau^*)}{d\tau} = z - \tau^* \frac{dz}{d(1 - \tau^*)} = 0$$` --- class: middle ## Taxação rawlsiana Multiplicando e dividindo por `\((1 - \tau^*)\)` e dividindo por `\(z\)`, temos: `$$1 - \frac{\tau^*}{1 - \tau^*} \frac{1 - \tau^*}{z}\frac{dz}{d(1 - \tau^*)} = 0 \Rightarrow \tau^* = \frac{1}{1 + e},$$` onde `\(e \equiv (1 - \tau^*)/z \cdot dz/d(1 - \tau^*)\)` é a **elasticidade da renda tributável** em relação à **net-of-tax rate** A taxa que maximiza a receita é a taxação ótima dada uma **função de bem-estar social rawliana**: é o *máximo de redistribuição* que não piora a situação de todos (que não está do *lado errado* da curva de Laffer) --- class: middle ## Alíquota máxima de IR Até aqui consideramos uma taxa única de impostos — na prática, o imposto de renda geralmente tem alíquotas progressivas, e daí uma pergunta interessante é qual deveria ser a alíquota máxima Considere então um limiar `\(z^*\)` e uma alíquota marginal máxima `\(\tau^{\infty}\)` acima desse limiar, e seja `\(z\)` a renda média das pessoas na alíquota superior (no Brasil, quem tem renda acima de R$4.664, por volta dos 10% mais ricos; nos EUA, dos 1% mais ricos) Vamos calcular a alíquota máxima `\(\tau^{\infty}\)` acima do limiar `\(z^*\)` que maximiza a arrecadação --- class: middle ## Alíquota máxima de IR Se estamos no máximo, então qualquer alteração infinitesimal `\(d\tau^{\infty}\)` acima de `\(z^*\)` no ótimo deve ter efeito zero sobre a arrecadação (CPO) Há um **efeito mecânico** (positivo), por arrecadar mais para uma quantidade fixa de trabalho, e um **efeito comportamental** (negativo), pela redução na oferta de trabalho O *efeito mecânico* sobre o indivíduo médio é `\(dM = \left( z - z^* \right) d\tau^{\infty}\)` E o *efeito comportamental* no indivíduo médio se dá por: `$$dB = \tau^{\infty} dz = - \tau^{\infty} \frac{dz}{d(1-\tau^{\infty})}d\tau^{\infty} = - \frac{\tau^{\infty}}{1-\tau^{\infty}}e z \ d\tau^{\infty}$$` --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-19.png" width="70%" /> Um aumento de `\(d\tau^{\infty}\)` na alíquota de IR para rendas acima de `\(z^*\)` **rotaciona para baixo** a restrição orçamentária dos trabalhadores começando em `\(z^*\)` (diminui a inclinação) [DS11] --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-19b.png" width="70%" /> Os dois efeitos dessa mudança são um aumento **mecânico** da arrecadação, pois para um nível de trabalho estão pagando mais, mas que é contrabalanceado pela redução **comportamental** na renda tributável `\(z\)` causada por uma **taxa marginal de impostos** maior [DS11] --- class: middle ## Alíquota no topo que maximiza a receita Como o efeito na receita de `\(d\tau^{\infty}\)` tem que ser zero, `\(dM + dB = 0\)`, e portanto: `$$\left[ \left( z - z^* \right) -\frac{\tau^{\infty}}{1-\tau^{\infty}}e \cdot z \right] d\tau^{\infty} = 0$$` Definindo `\(a = z/ (z - z^*)\)`, temos `$$\frac{\tau^{\infty}}{1 - \tau^{\infty}} = \frac{1}{a \cdot e} \Rightarrow \tau^{\infty} = \frac{1}{1 + a \cdot e}$$` --- class: middle ## Alíquota no topo que maximiza a receita A alíquota no topo *que maximiza a arrecadação* é decrescente na **elasticidade da renda tributável** `\(e\)` (custo de eficiência) e em `\(a = z/(z - z^*)\)`, que mede quão "fina" é a cauda da distribuição em relação ao limiar da alíquota (se `\(z^* = 0\)`, então `\(a = 1\)`, e temos a mesma fórmula de antes) Isso porque um aumento na alíquota máxima apenas arrecada sobre a renda maior que `\(z^*\)`, mas reduções na oferta de trabalho reduzem a arrecadação "em todas as alíquotas" (i.e., `\(\tau dz\)`) E estatística `\(a\)` é fácil de estimar empiricamente, nos EUA é `\(\sim 1.5\)` — se `\(e = 0.1,\)` então `\(\tau^{\infty} = 87\%\)` (!); se `\(e = 0.3\)`, `\(\tau^{\infty}\)` é ainda altos `\(68\%\)` --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-21.png" width="70%" /> Alíquotas máximas de IR em países selecionados durante o século XX: em vários momentos, especialmente durante as guerras (mas não apenas!), essas alíquotas chegaram próximas — ou plausivelmente até ultrapassaram — o topo da curva de Laffer de por volta de 70-90% de taxa marginal [Aue+13] --- class: middle ## Taxação dos mais ricos Um dos pontos centrais do debate de taxação é quanto taxar os mais ricos: como o consumo deles é basicamente saciado, a utilidade marginal deve ser próxima de zero, e é razoável taxar até o topo da curva de Laffer O argumento então se divide entre aqueles que defendem um custo econômico alto (*supply-side economics* ou *trickle-down economics*)... ... e quem acredita que o aumento da proporção do 1% mais rico na renda veio às custas dos outros 99% (**rent-seeking**) — e que, portanto, uma redução na alíquota máxima apenas aumentaria essa extração de renda --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-1.png" width="85%" /> A redução drástica na taxa marginal máxima de imposto nos EUA no "Reagonomics" foi acompanhada de crescimento expressivo na proporção do 1% mais rico na renda... [PSS14] --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-2.png" width="85%" /> ... mas não parece ter tido nenhum efeito no crescimento da renda dos outros 99% (se algo, o efeito é negativo): ou seja, há *plausivelmente* pouco efeito econômico real de maior taxação [PSS14] --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-5.png" width="75%" /> Em evidência *cross-country* vemos o mesmo: maior taxação no topo é fortemente (e negativamente) correlacionada com menor proporção dos 1% mais ricos na renda... [PSS14] --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-6.png" width="75%" /> ... mas mudanças na taxa marginal no topo têm zero correlação com crescimento do PIB *per capita* [PSS14] --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-7.png" width="75%" /> Maior taxação no topo está associada a menor salário dos CEOs *antes do imposto*: evidência de que taxação diminuiria o **rent-seeking** [PSS14] --- class: middle ## Taxação no topo e migração Um efeito potencial da taxação, especialmente no topo, é a emigração: se uma alíquota máxima elevada "expulsar" os maiores inventores e agentes mais produtivos, o custo econômico pode ser alto A elasticidade da emigração em relação à taxação é bastante alta para jogadores de futebol europeus [KLS13] — para inventores *super-stars*, ela é alta para estrangeiros, mas baixa para os nacionais [ABS16] Como a emigração é **um jogo de soma zero**, há necessidade de *coordenação tributária internacional* para evitar políticas **beggar-thy-neighbor** --- class: middle <img src="figs/eae0310-11-8.png" width="70%" /> Redução por 3 anos dos impostos para imigrantes altamente qualificados em 1991 mais que dobrou o seu número na Dinamarca (elasticidade `\(\varepsilon = 1.6\)`) em comparação com imigrantes menos qualificados que não tiveram redução na taxação (*grupo de controle*) [Kle+14] --- class:middle # Referências <small> [ABS16] U. Akcigit, S. Baslandze, and S. Stantcheva. "Taxation and the international mobility of inventors". In: _American Economic Review_ 106.10 (2016), pp. 2930-81. [Aue+13] A. J. Auerbach, R. Chetty, M. Feldstein, et al. _Handbook of public economics_. Vol. 5. Newnes, 2013. [DS11] P. Diamond and E. Saez. "The case for a progressive tax: from basic research to policy recommendations". In: _Journal of Economic Perspectives_ 25.4 (2011), pp. 165-90. [Gru16] J. Gruber. _Public finance and public policy_. 5th ed. Macmillan, 2016. [Kea11] M. P. Keane. "Labor supply and taxes: A survey". In: _Journal of Economic Literature_ 49.4 (2011), pp. 961-1075. </small> --- class:middle # Referências <small> [Kle+14] H. J. Kleven, C. Landais, E. Saez, et al. "Migration and wage effects of taxing top earners: Evidence from the foreigners’ tax scheme in Denmark". In: _The Quarterly Journal of Economics_ 129.1 (2014), pp. 333-378. [KLS13] H. J. Kleven, C. Landais, and E. Saez. "Taxation and international migration of superstars: Evidence from the European football market". In: _American economic review_ 103.5 (2013), pp. 1892-1924. [PSS14] T. Piketty, E. Saez, and S. Stantcheva. "Optimal taxation of top labor incomes: A tale of three elasticities". In: _American economic journal: economic policy_ 6.1 (2014), pp. 230-71. [SSG12] E. Saez, J. Slemrod, and S. H. Giertz. "The elasticity of taxable income with respect to marginal tax rates: A critical review". In: _Journal of economic literature_ 50.1 (2012), pp. 3-50. </small> <!-- --- --> <!-- class: middle --> <!-- ## Alíquota ótima --> <!-- No caso mais geral, em que a sociedade seja *utilitarista* mas não rawlsiana, a taxação marginal ótima se torna: `$$T^{\prime}(z)^* = \frac{1 - G(z)}{1 - G(z) + a(z) \cdot e(z)}$$` --> <!-- A grande diferença aqui é que temos o termo `\(G(z)\)`, que é o **peso na função de bem-estar social** de indivíduos com renda `\(z\)`, ou seja, a importância que a socidedade dá ao seu bem-estar --> <!-- É plausível que a sociedade dê menos valor à utilidade dos mais ricos, se a sociedade tiver preferências sociais redistributivas ("gostar de igualdade") --> <!-- Mas mesmo que não seja o caso, `\(G(z)\)` tenderá a ser decrescente pela *utilidade marginal decrescente*: no limite, quando `\(z \rightarrow \infty\)`, `\(u^{\prime}(z) = 0 \Rightarrow G(z) = 0\)` e a alíquota ótima utilitarista maximiza a receita -->